sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Hoje sou.. talhante

Hoje sou.. Talhante, é verdade, hoje dediquei-me à bela arte de trinchar gado, muito por culpa não do meu avó Jacinto, mas sim por causa destas vacas desvairadas que por aí andam com as borregas a cair para os lados e um nariz empinado como se fossem umas rainhas.. só se pertencerem à realeza da falta de bom senso.
Mas passando estas aberrações da moda à frente, e deixando para trás o sofrimento impingido por elas aos inocentes dos meus olhos, vamos ao que interessa…
Sete da manhã, toca o despertador e com dificuldade levantei uma pestana ao mesmo tempo que, com ainda mais dificuldade, levantei o naco de gordura a que chamo braço e de uma estocada eficiente parti o despertador a meio ganhando mais duas horas de um belo sono, ou melhor, ganharia se a Gertrudes já não andasse de um lado para o outro a aspirar a casa, isto de ter mulher que não faz puto todo o dia só podia dar merda.
Saí cedo de casa ainda a cambalear, não por causa do sono mas por causa de ter batido com o dedo mindinho na porta ao desviar-me do gato.
Consegui, por pouco, apanhar o autocarro, até porque a gota tá cara e assim é uma oportunidade de fazer novos amigos.
Cheguei ao talho e tirei o casaco, envergando já a bata cheia de sangue, não das carnes que trincho mas sim de ter desfeito a barba enquanto os putos me puxavam os braços a pedir dinheiro para chiclas, cromos e naifas.
O meu cafezito foi tomado com calma e enquanto o relógio passava as oito e meia aproveitei para passar os olhos pela montra da rua a ver o que de novo à na paisagem, cheguei à conclusão que tirando o vaquedo do costume não havia nada para apreciar e como tal abri o estabelecimento.
A primeira cliente foi, como sempre, a dona Filomena, que vinha com o seu ar altivo, caniche debaixo do braço e pele em excesso debaixo do queixo, à procura de pito fresco. Respondi-lhe que como ela não o tinha faz quatro décadas eu também não tinha por isso o melhor mesmo era levar o franguito que estava perdido no fundo da montra, até porque as moscas já lhe estavam a pegar e se eu não o vendesse ele teria de ir para o lixo no dia seguinte. A dona Filomena levou o franguito mais dois salpicões, sabe Deus para quê, e saiu do estamine com um sorriso de orelha a orelha.
Passados nem quinze minutos entrou o senhor Augusto, jornaleco enfiado no bolso do casaco, boina desajustada e cheiro a bagaço um bocado por todo o lado, encetando o seguinte diálogo:
- Atão sôr Fernandes, por acaso tem leitãozito?
- Nem por isso, a sua filha ainda não passou por cá.
- Estou a ver, e chispe de porco?
-A menos que tenha cortado as unhas a resposta é igual.
- E uma tripalhada da boa, não daquela recessa que costuma vender?
- ainda não, mas já faltou mais para ver a sua em exposição num destes espetos, E por falar em espeto, por acaso não me podia amavelmente fornecer o número da sua filha?
- Do telemóvel?
- Se tiver o do soutien também aceito.
E a conversa terminou por aqui, até porque estava a dar um especial “Eusébio, uma vida a preto e branco” na rádio, e isso era algo que o Augustaço não podia perder de ver!
Passado algum tempo surgiu a dona Maria, a perguntar se eu tinha visto os seus dois gatinhos, respondi que não mas já que falava nisso podia aproveitar a promoção do coelho, dois pelo preço de um, com garantia de serem fresquinhos e caseiros. Mais uma venda bem sucedida!
Na parte da tarde, logo a seguir ao almoço recebi a visita da “não cliente” senhora Manuela, foi algo nestas linhas:
- Sôr Fernandes, por acaso não tem nada para os cães?
- Só um pau nas costas.
- Não seja ruim, um homem que trabalha com animais deve adorá-los.
- Eu passo o dia a esquartejá-los! Estou com dificuldades em conseguir acompanhar a sua lógica.
- Ó, aposto que até tem um animalzinho lá em casa.
- Por acaso tenho um caniche, empalhado, dá um, jeitaço como mesinha de chá.
Ficamos por ali.
Recebi a ilustre visita da dona Margarida, dona dos seus quarenta e alguns anitos, peida rechonchuda, peito arrebitado e um cabelo com mais cores do que o catalogo da Robbialac, apenas superado, em termos de vivacidade das cores, pelos seus lábios carnudas à custa de uma abelha irritada.
Ela também vinha com a língua solta e vontade de lhe dar uso:
- Senhor Fernandes, mas que elegante que você está hoje.
- Gosto de usar a minha melhor roupa quando venho trabalhar.
- Sempre o mesmo brincalhão, qualquer dia tem de passar lá por casa para me contar as suas anedotas.
- O quê? Quer ouvir falar dos meus clientes?
- Não percebi! Adiante, por acaso não tem maminha de vaca que me possa aviar?
- Se me der um segundinho é só ir buscar a faca lá atrás, um pouco de água oxigenada e tratamos disso.
- Não percebi! Adiante, e um pouco de presunto? Sabe, é para o meu Henrique.
- Não me diga que ele já estragou o seu?
- Não percebi! Adiante, não me pode aviar nada para o jantar?
- Poder até posso, mas acabei de comer e tenho medo de apanhar uma congestão!
- Não entendo, você hoje não está a fazer muito sentido, senhor Fernandes?
- Estou só a tentar colocar-me no papel dos clientes.
- Nada, não entendi nadéca, vou ver se a Teresa do supermercado tem alguma coisa.
- Tirando gonorreia, sífilis e herpes nem por isso.
A conversa não mais se prolongou e eu aproveitei para amolar mais umas facazitas, até porque nunca se sabe quando é que uns manfios vão se lembrar de tentar assaltar o negócio.
Estive a reflectir um pouco, e aquela jogada empresarial de comprar uma máquina de café e oferecer doces aos putos enquanto as mães compravam o chouriço que o pai não sabia oferecer, não tinha sido assim tão bem sucedida. Ultimamente já me andavam a pedir umas natinhas para acompanhar o pequeno-almoço e comprar carne é que nem vê-lo.
Chegou às sete da noite e segui para casa, o que é sempre deprimente, já que passo o dia a olhar para vacas e depois tenho de ir para casa e vejo a minha mulher.. da-se! Ao menos as de dia estão mortas, garanto que qualquer dia dou uso à arca frigorífica, tamanho industrial que só serve para guardar as paletes de Super Bock e meto lá a minha mulher com a desculpa que ela ganhou umas férias no Pólo Norte.
Bem, agora estou em casa e é só ver o clube a espetar mais três secos que vou para a caminha feliz, sim porque basta um bom futebol, mais três prozac’s e sete bagacitos quentes para pôr um homem de trabalho alegre.
Hasta meu bom povo, está na hora de congelar a carne!


Sabias que…
Os humanos têm cerca de cinco milhões de cabelos no corpo, exceptuando o Tóni Ramos que roubou o pêlo a todas as criancinhas da ala de oncologia (ai Jesus, que barbaridade que aqui foi dita!).

Webcomic do dia:
Last Blood, coisas de vampiros e zombies e tal é o tema desta comic que, embora apresente o história não muito original, ganha pontos no tipo de arte que utiliza, mesmo não sendo do melhor que já vi. Recomendo até porque esta ainda está a dar as primeiras dentadas por isso a viagem aos arquivos é feito num piscar de olhos.

O meu som:
Blink 182 – i miss you

Citação do post
“it's times like these you learn to live again
it's times like these you give and give again
it's times like these you learn to love again
it's times like these time and time again”
in times like these por Foo Fighters”

Prá mãe, pró pai e para o irmão..

Sem comentários: